sábado, 20 de fevereiro de 2021

A peste de 19


Se eu contar você não vai acreditar! Mas eu vou contar assim mesmo, e não é papo de pescador não, a história é verídica. 
O fato é que ninguém sabia que 2020 seria assim, né, todo mundo isolado, presos em suas casas. Nem o Jairzinho sabia. Acho que o Jairzinho teve medo no começo dessa tal de COVID-19. Falavam que o 19 era porque a peste já tinha feito 19 vítimas, mas acho que era mentira, ou o que chamam de feiquinius. A verdade é que ela surgiu no ano anterior. 
Jairzinho é o líder da nossa comunidade. Diz que sabe tudo, que conhece tudo, mas dessa vez acho que ele não sabia de nada não, viu! Ninguém sabia de verdade sobre o que estava acontecendo. Muitos achavam que essa tal de COVID-19 era um monstro, uma peste que ia crescendo, crescendo, crescendo, conforme entrava em contato com gente, e quem ela pegava contagiava o outro. Assustou todo mundo, menos o Jairzinho, né. Ele dizia que quem tinha medo de monstro era maricas, era frouxo, e que ele não era nada disso não. Acho que ele negou pra não ter que enfrentar o bicho, por que quando você nega, o problema não existe, e eu acho mesmo é que o Jairzinho não queria era ter trabalho, viu. E o pior: quem acreditava na dita-cuja ele virava a cara, ficava de mal. Só não dava o dedinho porque era coisa feia. Mas negar é uma coisa, fazer estripulias é outra, né?
Jairzinho começou a agourar, falar que todo mundo ia ser pego pela peste de qualquer jeito, mais cedo ou mais tarde, que morrer fazia parte da vida. Deus me livre! Vai de retro! Sou muito novo pra morrer. Como diz o sertanejo Rolando Boldrin, lá do Sr. Brasil, quem morre cedo parte antes do combinado. Jairzinho assustou todo mundo com essas lorotas, mas os mais precavidos resolveram ficar nas suas próprias casas, isolados, porque se fosse pelo Jairzinho, todo mundo tava é lascado. 
Pelo menos em casa todo mundo tava protegido, a salvo da aberração. O que se ouvia falar é que quem ficava na rua ela pegava, e o fulano ia rapidinho parar no hospital. E o hospital da comunidade começou a encher de gente. O povo demorou pra duvidar das asneiras que o Jairzinho falava, viu, mas quando isso aconteceu, o negócio começou a melhorar. A entrada de gente no hospital começou a dar uma diminuída.
E olha só: num é que o próprio Jairzinho foi atacado pelo monstro! Com medo de chegar perto dele, a comunidade lotou a caixa de mensagens do seu celular. Eram perguntas de todo tipo: “Como é essa tal de covid19, Jairzinho? Ela existe mesmo?”, “Ela tem dentes? Ela morde?”,  “Você tá doente, tá com febre?”.
Mas por incrível que pareça, o Jairzinho enrolou de novo a comunidade. Depois de ter negado o tempo todo, não quis assumir que a coisa era séria, mesmo a comunidade vendo a ambulância levá-lo para o hospital. Ficou dizendo que era só uma gripezinha, até o resultado do exame ele escondeu. Pode isso, Arnaldo?
Mas o povo não é arrogante como o Jairzinho não, viu! E a gente sabe, quando o povo se une, ele faz coisas maravilhosas. Aqueles que não tinham sido atacados pela peste começaram a compartilhar mensagens para ajudar o Jairzinho e todas as outras pessoas que foram afetadas. Mensagens de alegrias, músicas, serenatas na frente das casas onde haviam doentes. A coisa toda começou a ficar linda demais. A comunidade também levou comida para os mais necessitados, e todos iam sempre de máscara, por causa do papo de contágio. De uma hora pra outra, uma energia boa contaminou a comunidade inteira, até quem tava com o Jairzinho parou de acreditar nele. O Rick da rua da Saúde, o Serginho da esquina onde moro, o Nelsinho, todos começaram a compartilhar ajuda pela comunidade. 
O que eu sei até hoje, no fim da história, é que o monstro, a peste, de verdade, ninguém viu, mas a força da fé e da caridade todo mundo sentiu forte lá no fundo do coração. A comunidade tá muito melhor, e a gente torce mesmo pra que o Jairzinho, caso essa tal de COVID-19 apareça de novo, que da próxima vez ele ande do lado da gente, e que 2021 seja muito melhor que esse 2020, que ainda não terminou, e que começou mesmo em 2019, e que a gente se livre de vez dessa peste.

Sérgio Campelo é professor e Especialista em Comunicação pela ECA/USP.


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